Desastre com nitrato de amônio nos EUA em 1947 mudou normas de segurança

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Todos os anos, moradores de Texas City se reúnem no dia 16 de abril para lembrar o aniversário da maior tragédia causada por um acidente industrial nos EUA, que deixou oficialmente 581 mortos, em 1947.
Na terça-feira (4), muitos acompanharam com especial atenção o noticiário sobre a explosão na área portuária de Beirute, que destruiu grande parte da capital libanesa.


Separados por 73 anos, os dois desastres têm em comum o fato de terem sido causados pela combustão de uma enorme quantidade de nitrato de amônio, substância altamente explosiva que pode ser usada para fazer bombas ou fertilizantes.


“Nós não temos registro em vídeo do que ocorreu aqui naquele dia, então ao olhar as imagens de Beirute foi possível ter uma ideia do que nossa cidade viveu. Deu para ver uma fumaça alaranjada logo antes da explosão, que é a mesma que sobreviventes em 1947 relataram”, diz Theresa Mayfield, historiadora da biblioteca pública da cidade e integrante de um projeto de história oral com remanescentes da tragédia.
O desastre de Texas City provocou mais do que um profundo trauma na pequena cidade portuária, à época com 16 mil habitantes, perto de Houston. Houve mudanças nas normas de segurança no transporte e armazenamento de cargas perigosas, além de efeitos legais.
Pela primeira vez, habitantes de uma localidade puderam processar o governo central americano por negligência, o que gerou precedente para outras ações nos anos seguintes.
A tragédia ocorreu após uma série de falhas em procedimentos de segurança. A sequência de eventos teve início com um pequeno incêndio no navio francês Grandcamp, que estava ancorado e sendo carregado com nitrato de amônio.
A carga, de 2.300 toneladas, seria destinada à Europa, para ser usada como fertilizante por agricultores. Às 8h, o fogo foi percebido, e marinheiros do navio tentaram apagá-lo com mangueiras, sem sucesso.

Com a fumaça subindo e as sirenes do porto tocando, centenas de pessoas se aglomeram nas proximidades para ver o que estava acontecendo. O corpo de bombeiros chegou por volta de 8h30 e também não conseguiu apagar o incêndio.


Num ato que se provaria fatal, água foi despejada nos porões do navio onde estava a carga, e as escotilhas foram fechadas, na esperança de extinguir o fogo. O efeito foi o contrário. O vapor que se formou ajudou a esquentar ainda mais o ambiente.


Às 9h12, houve a explosão. “O deslocamento de ar foi tremendo. Inúmeros edifícios racharam em toda a sua extensão”, disse W.H.Sandberg, vice-presidente da empresa ferroviária de Texas City, em relato reproduzido pelo jornal Folha da Noite (um dos que dariam origem à Folha de S.Paulo), que deu manchete para o assunto em letras garrafais, na sua edição de 17 de abril de 1947.


Relatos de agências de notícias disseram que navios que estavam no porto foram transformados em “enormes fogueiras flutuantes” e que a explosão foi muito parecida com a da bomba atômica que havia sido jogada sobre Hiroshima dois anos antes.
A cadeia pública local, a 2 km, ruiu. Dois aviões de pequeno porte que sobrevoavam o porto foram derrubados pela explosão. Janelas foram quebradas em Houston, a 75 km de distância. Morreram 27 dos 28 bombeiros da cidade.


Mas o inferno ainda não havia terminado. Um dos navios que pegaram fogo após a explosão, o High Flyer, também estava carregado com nitrato de amônio. À 1h10 do dia seguinte, 16 horas após o desastre, sua carga de 961 toneladas também explodiu, matando mais duas pessoas.
Estima-se que o número total de mortos tenha passado de 700, o que faz deste o maior desastre causado pela substância na história.
“Havia muitos trabalhadores sem documentos em Texas City na época, que vieram atraídos pelo crescimento da cidade como um polo petroquímico durante a Segunda Guerra. Grande parte deles vivia perto do porto”, diz a historiadora.


“Texas City mostra o que pode acontecer quando complacência, negligência, ignorância e mesmo estupidez existem em meio a circunstâncias perigosas”, disse o escritor Hugh W. Stephens no livro “The Texas City Disaster”, publicado para marcar o cinquentenário da tragédia, em 1997.


Um exemplo dessa estupidez, afirma Mayfield, é o fato de os sinais de não fumar no navio estarem em francês, sendo que estivadores americanos trabalhavam nele. Nunca se soube a causa do incêndio que deu origem ao desastre, mas uma hipótese é um cigarro mal apagado.
Mais de 5.000 pessoas ficaram feridas e 2.000 perderam suas casas. Na comoção que se seguiu ao desastre, choveram doações e campanhas para ajudar os moradores, inclusive com a participação de artistas da época, como o cantor Frank Sinatra.
Uma ação coletiva na Justiça pediu indenização aos sobreviventes à União, mas a compensação acabou vindo do Congresso, que distribuiu US$ 17 milhões. Atualmente, há cerca de 150 habitantes da cidade na época ainda vivos.


Nos anos seguintes, Texas City reconstruiu seu porto e retomou sua vocação de polo petroquímico. Hoje, conta com uma população de 45 mil habitantes, quase o triplo do que tinha na época do desastre.
No centro da cidade, um parque relembra as vítimas da tragédia. Em lugar de destaque está a âncora do Grandcamp, que foi arremessada a quase 3 km de distância.

“Levamos a preservação da memória do desastre muito a sério. Há diversas pessoas ainda vivas que lembram dele muito claramente”, diz Mayfield.

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