Um corredor e apenas dois ou três metros separam o berçário e o centro cirúrgico da porta de entrada dos dez leitos adultos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) instalados no Hospital Santa Clara, em Colorado, no Noroeste do Estado. De um lado o choro tímido de quem ainda tateia as coisas do mundo e o alívio pós-operatório e do outro a luta incessante de enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas e médicos para recuperar pacientes acometidos pelas formas mais graves da Covid-19.
A unidade vive em meio à pandemia mais funesta deste século um contraste entre os setores antigos e as novidades, entre as dificuldades impostas pelas novas rotinas e as conquistas que chegaram sem grandes pompas, entre o que é efêmero e violento (novo coronavírus) e o que é duradouro, como esse espaço de atendimento avançado que ficará como legado de cuidado mais próximo de casa para os 140 mil habitantes no Vale do Paranapanema.
“Temos como princípio aproximar a saúde pública qualificada dos municípios menores. Essa estratégia de descentralização ganhou corpo muito rápido durante a pandemia, tanto que abrimos, em 150 dias, 1,1 mil leitos de UTI equipados com o que há de mais moderno em hospitais próprios, filantrópicos e privados que atendem o SUS”, afirma o governador Carlos Massa Ratinho Junior. “O Hospital Santa Clara, em Colorado, é um exemplo desse esforço de disponibilizar espaços de atendimento avançado em regiões que precisavam desse apoio”.
Segundo o secretário da Saúde, Beto Preto, os municípios do Noroeste demandavam há alguns anos mais leitos de UTI para descentralizar o atendimento. Os hospitais mais próximos da rede credenciada ficam em Paranavaí e Maringá, distantes 86 quilômetros de Colorado e 115 quilômetros de Santo Inácio, município paranaense da região que já faz divisa com São Paulo.
“Conseguimos agir com muita rapidez diante da emergência para ativar esses dez leitos exclusivos em Colorado para a Covid-19, mas eles respondem a um pedido antigo e vão ficar como legado para o município”, acrescenta o secretário. “É uma conquista especial dos últimos meses e que perdurará na rotina da cidade e na saúde pública paranaense, evitando deslocamentos sofridos e de longa distância”.
UTI – Os dez leitos chegaram no Santa Clara ainda em março, no começo da pandemia. O investimento de cerca de R$ 1,2 milhão na construção do espaço da UTI e em equipamentos (respiradores, ventiladores e monitores) foi feito pela Secretaria de Estado da Saúde. Os leitos pertencem à rede de 463 espaços de tratamento credenciados pelo Ministério da Saúde no Paraná.
O Santa Clara complementou o espaço com o que se chama de filtro absoluto: pressão negativa integral em todo o espaço, o que garante 99,9% de pureza no ar. Os espaços foram separados por vidros, como pede o protocolo contra o contágio do novo coronavírus. Nesse local trabalham diariamente 24 funcionários e um médico plantonista.
Os leitos foram montados em apenas dez dias e, desde o começo da crise, estão com ocupação média de 60%. Cerca de 70 pacientes precisaram usar os equipamentos avançados de controle da infecção. A maioria teve alta médica.
“Estamos hoje com os pacientes de Covid-19, mas depois essa UTI vai ficar para a região. Fazemos partos, cirurgias em geral e queremos ser referência em ortopedia. Essas UTIs serão fundamentais para atender os pacientes agravados, também, por outras doenças. É uma conquista que foi celebrada como requer a medicina: com dedicação integral”, afirma Luiz Antônio Gigliotti, diretor do hospital. “Tivemos uma demanda histórica atendida. O ano de 2020 ficará marcado na trajetória do Santa Clara”.
Segundo a administração do hospital, na programação de expansão para os próximos anos já há um novo projeto para a implementação de mais dez leitos de UTI, perfazendo vinte espaços exclusivos para aquilo que é mais urgente. O pedido já foi feito para a Secretaria de Estado da Saúde.
ENFERMARIAS –Já as 25 enfermarias que também foram disponibilizadas para atender pacientes da Covid-19 ficam em uma ala separada do hospital. Nesse espaço foi colocado um vidro no corredor para limitar o acesso às pessoas autorizadas. A ocupação também circulou em torno de 60% e, desde o começo da pandemia, cerca de 190 pacientes usaram a estrutura.
HEMODIÁLISE –Outra conquista emblemática para o Santa Clara foram as dez novas cadeiras de hemodiálise. Foram R$ 500 mil destinados para aquisição, R$ 50 mil investidos em cada unidade. O Santa Clara está aguardado apenas a habilitação do Ministério da Saúde para começar a atender pacientes que precisam enfrentar o processo de limpeza e desinfeção do sangue.
A estrutura física foi construída em parceria com os médicos aos fundos de onde hoje é a recepção central. A hemodiálise vai atender os 59 pacientes cadastrados na região que por enquanto precisam ir três vezes por semana em ônibus ou vans até Maringá. Além da viagem para tratamento de saúde, eles precisam enfrentar de três a cinco horas de sessão.
“Os pacientes de toda a região do Paranapanema vão para Maringá. É um sofrimento, andar 90 quilômetros para ir e para voltar, isso em se tratando de Colorado. Para os cidadãos de Santa Inês são, pelo menos, 125 quilômetros em cada trecho. Essa habilitação será uma bênção para o atendimento”, explica Gigliotti.
Segundo ele, quando a hemodiálise é feita “praticamente em casa” há economia de tempo e dos recursos financeiros desses pacientes. “Hemodiálise é um tratamento fundamental para fazer perto de casa e com todo o acompanhamento necessário. É uma intervenção agressiva, precisávamos viabilizar assistência no Santa Clara”, acrescenta.
Conhecida também como Terapia Renal Substitutiva, a hemodiálise serve para retirar o excesso de líquidos e sujeiras que se acumulam no sangue de pacientes com funcionamento renal prejudicado. Funciona assim: o sangue do paciente é sugado pela bomba da máquina e circula através de um circuito, que atinge um filtro dialisador. Nesse local ocorre a remoção da água e de substâncias impuras. Após a passagem pelo filtro, o sangue segue por um circuito e retorna ao paciente pelo mesmo acesso vascular.
HOSPITAL – O Hospital Santa Clara é filantrópico e atualmente cerca de 80% do atendimento é feito pelo Sistema Único de Saúde. A unidade passou por uma grande ampliação em 2018, com investimento de R$ 2,6 milhões do Estado. Ele tinha 46 leitos e agora conta com 101. Do total, 78 leitos são clínicos-cirúrgicos e 23 leitos de atendimento materno-infantil. Além dos recursos para a reforma, a Secretaria de Saúde também investiu R$ 1,7 milhão para a compra de mobiliário e equipamentos para a nova estrutura.
Uma grande característica do Hospital Santa Clara é o orgulho pelos seus médicos colorados. As alas do hospital homenageiam ex-integrantes da equipe e a maioria dos médicos que atualmente trabalham no local têm um pé vermelho depois de se aventurar fora dessa terra para obter a formação. As três novas alas inauguradas em 2018, por exemplo, se chamam Dr. Shibata, Dr. Mário Guteres e Dr. Palandri.
O nome Santa Clara é um tributo ao bairro e a gestão é feita pelo Fundação Vale do Paranapanema, que tem caráter filantrópico. Atualmente cerca de 80% do atendimento é feito pelo Sistema Único de Saúde. O hospital sonha em ser referência nacional para ortopedia e hoje conta com um amplo centro de diagnóstico, que disponibiliza mamografia, tomografia, colonoscopia e ultrassom.
Além da ampliação com os leitos de UTI e a hemodiálise, o Pronto-Socorro passa por uma reforma, prevista para conclusão nos próximos meses. Ele está sendo reestruturado para atender com mais segurança o sistema “de porta aberta para qualquer situação”. A atual farmácia também será ampliada para atender novas as exigências sanitárias.
“Tudo teve início em 1973. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Colorado conseguiu do Funrural um consultório e um ambulatório médico, mas a demanda aumentou e em 1975 conquistamos um hospital com 30 leitos. Em 2018 veio a primeira grande ampliação e agora a conquista das dez UTIs, somando 111 leitos”, resume o diretor do hospital.
“Há alguns anos era impensável unir UTI e hemodiálise no Santa Clara para acabar com o trânsito de pacientes até Maringá. Agora ampliamos o atendimento de referência que desafoga os centros maiores, que vivem inchados por conta da própria demanda”, arremata José Antônio Padilha, gerente-executivo do hospital. “Qualquer cidade se desenvolve com saúde e educação. Nosso hospital triplicou de tamanho, é uma conquista viabilizada com muitas parcerias”.
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Os desafios de enfrentar a Covid-19 de dentro do hospital
Renata Francelino da Silva, coordenadora assistencial do Hospital Santa Clara é uma das responsáveis por administrar o fluxo dos pacientes com Covid-19 que chegam de diversos municípios da macrorregião para a unidade. Há alguns meses ela e os outros profissionais lidam diariamente com o desafio em saúde pública de enfrentar o desconhecido e o medo natural da infecção.
“Desde março estamos nos estruturando, tentando entender melhor os fluxos. Nossa demanda tem altos e baixos, mas nunca chegamos perto do limite. Além disso, os médicos e enfermeiros têm muito medo, receio por si próprios, pelos familiares, pelos filhos, maridos, pais, mães. Tivemos inúmeras contratações de pessoas que trabalharam apenas um dia e desistiram”, explica Renata. “É complexo. Todos os dias temos protocolos novos, estudos novos. Trabalhar em hospital durante a pandemia é viver um dia de cada vez”.
Os pacientes chegam ao Santa Clara referenciados pela central de vagas ou pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Quando um paciente chega há uma análise criteriosa e preliminar sobre o quadro clínico em uma área isolada e só após alguns exames ele é direcionado para a enfermaria (casos leves ou moderados) ou UTI (casos graves).
Bruna Raisa Lopes de Mello, médica gastroenterologista, é uma das plantonistas da UTI do Santa Clara. Acostumada a lidar com o caminho da comida no corpo humano, ela teve que aprender em pouco tempo a conhecer a invasão do vírus. “Os principais sintomas são dispneia (falta de ar), tosse, febre, saturação baixa. Alguns inespecíficos, como dor na barriga, diarreia. É uma doença difícil de se enfrentar, com muitas adaptações, protocolos”, comenta. “E cada dia tem coisa nova, estudo novo, mas temos tido uma boa resposta dos pacientes. A quantidade de recuperados é bem maior do que a de óbitos em Colorado”.
A macrorregião Noroeste já teve mais de 14 mil infectados, 300 óbitos e 10 mil recuperados. “Os hospitais têm níveis de estresse diferenciados. Depois da pandemia pegou muito mais forte para todos nós. Acho que até quem está fora de hospital percebe isso. Hoje a gente precisa se ajudar mais, aprendemos com a pandemia”, afirma José Antônio Padilha, gerente-executivo do Santa Clara. “Está sendo um desafio imenso. Dá para dizer que estamos trabalhando muito para vencer essa corrida”.